terça-feira, 4 de maio de 2010

Florbela Espanca







(1895-1930) Sonetista com laivos parnasianos esteticistas, é uma das mais notáveis personalidades líricas isoladas, pela intensidade de um emotivo erotismo feminino, sem precedentes entre nós, com totalidades ora egotistas ora de uma sublimada abnegação reminiscente de Sóror Mariana, ora de uma expansão panteísta que se vai casar com a ardência da charneca natal. A sua obra principiou a ser editada em 1919 (Livro das Mágoas); em 1978 tinhas saído 23 edições de Sonetos Completos, além de contos algo decadentes; precede, portanto, de longe e estimula um mais recente movimento de emancipação literária da mulher, exprimindo nos seus acentos mais patéticos a imensa frustração feminina (e afinal também masculina), das nossas opressivas tradições patriarcais.
História da Literatura Portuguesa
A.J. Saraiva & Oscar Lopes

Fanatismo

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podm voar mundos, morrer astros,
Que tu és como um Deus: Princípio e Fim!..."


Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninho.

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...







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